7.7.20

'Ilhas'

(Ruinas)


NÃO
TE
ESQUEÇAS NUNCA


Não te esqueças nunca de Thasos nem de Egina

O pinhal a coluna a veemência divina

O templo o teatro o rolar de uma pinha

O ar cheirava a mel e a pedra a resina

Na estátua morava tua nudez marinha

Sob o sol azul e a veêmencia divina

Não esqueças nunca Treblinka e Hiroshima

O horror o terror a suprema ignomínia


TEMPO
DE
NÃO

Exausta fujo as arenas do puro intolerável
Os deuses da destruição sentaram-se ao meu lado
A cidade onde habito é rica de desastres
Embora exista a praia lisa que sonhei

NO MAIS
SECRETO

No mais secreto de Junho e de folhagens
Ou interior de flor secretamente
Rosto sob o choupo à luz das luas
Rosto do meu rosto exactamente
Espelho quasi onde me vi de frente
E deslizamos pelo rio como um barco

PRINCÍPIO
DE
VERÃO

Largos longos doces horizontes
A desdobrada luz ao fim da tarde
Um ar de praia nas ruas da cidade
Secreto sabor a rosa e nardo arde

BARCELONA

Luz e sol e pintura
Sobre o telhado à noite a lua cresce
Abro os olhos como um barco pelas ruas
No entanto outonece

HABITAÇÃO

Muito antes do chalet
Antes do prédio
Antes mesmo da antiga
Casa bela e grave
Antes de solares palácios e castelos
No princípio
A casa foi sagrada -
Isto é habitada
Não só por homens e por vivos
Mas também pelos mortos e por deuses

Isso depois foi saqueado
Tudo foi reordenado e dividido
Caminhamos no trilho
De elaboradas percas

Porém a poesia permanece
Como se a divisão não tivesse acontecido
Permanece mesmo muito depois de varrido
O sussurro de tílias junto à casa de infância

CASAS
(à Luísa Neto Jorge)

Casas -casas roucas
Atentos muros - umbrais medidos e solenes
Quarto após quarto penumbra sequiosa
Tectos lentos
Como no espelho afloram
Lagos e magia: caminho
Submerso do possível

A paixão habita seu jogo mais secreto
Sua trágica e precisa
Perfeição


ESTELAS
FUNERÁRIAS

Jovens sorridentes celebrando
Em todos os museus a própria morte
Tão direito e firme amor da vida
Aqueles que os amaram consagraram
A breve eternidade do seu povo

Agora expostos numa terra alheia
De seus ossos e cinza separados
Roubados ao lugar que os viu viver
O entreaberto lírio do sorriso
As paisagens sem luz iluminando

Sophia de Mello.


 

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